Arquivo | Novembro, 2012

Conto

12 Nov

Parede amarela

Quatro papagaios, onze croquetes, vinte e seis bolinhas de gude, trinta e dois casacos vermelhos no sofá, quarenta crianças na casa número cinquenta. Foram esses números, nessa sequência, em um sonho maluco, que o levou a jogar na loteria naquela manhã de segunda-feira. Algo lhe dizia ser um sinal, os números não saiam de sua cabeça… O resultado saiu: 04-11-26-32-40-50. “Ele está milionário!”, era só isso que todos comentavam o José entregador de pizzas, virou milionário da manhã de segunda-feira para a noite da quarta-feira.

Construiu família, casou-se com a filha de um grande empresário, entre uma parte de suas propriedades constava: um iate, uma casa de praia no Guarujá, sua residência oficial em Alphaville, uma Ferrari… Aprendeu inglês, investiu em ações da bolsa e seus filhos tinham tudo do bom e do melhor. Só não tinha seu passado. Esquecera-se de tudo e todos que faziam parte da vida humilde, não atendia ao telefonema do que dominava “parentes interesseiros”.

Assim seguiu sua vida, festas, trabalho e gastos, muitos gastos. O mundo estava lindo, perfeito e como nunca tinha visto antes. José não entendia porque tantas reclamações sobre política e educação. Também não conseguia entender porque tantos debates sobre miséria e violência. Ele andava pelas ruas, olhava e olhava, mas nada enxergava. O gato atropelado ao lado do poste miava de dor e o mesmo em seus ouvidos não interpretava como algo relevante. Sem perceber, seus sapatos franceses de couro fizeram as unhas de um mendigo sangrar e a única reação exaltante foi um “Porra! Meus sapatos novos!”. Nada mais.

Até que um acidente mudou tudo, sua mulher e seus dois filhos morreram ao voltar de Paris. A pizzaria recém-aberta foi abandonada em meio aos seus devaneios bêbados de tristeza, parou de trabalhar, se isolou e enfim, entrou em decadência. Investiu em ações de uma empresa como última tentativa, mas a mesma faliu. De um mês para o outro, se endividou, foi preso por desacato à autoridade e humilhado. Todos de sua família, rejeitados um dia por ele, fizeram questão de visita-lo, desprezá-lo e pagar sua fiança. Como punição, foi decidido o colocar em liberdade, estava na hora do “Zé” enxergar novamente.

Enxergar tudo que deixara por um círculo social entranhado de falsidades e consumo. O José sofreu, muito. Não conseguia se acostumar, continuava não enxergando as dificuldades reais do mundo e culpa a todos pela sua fase de vida. Infelizmente, a “cegueira branca” só deixou seus olhos em seu tempo pré-morte. Numa maca de hospital público, sozinho, em estado terminal, disse suas últimas palavras à responsável de limpeza do local, “Agora eu enxergo, precisei ter tudo, precisei perder tudo. Hoje e agora, perco minha vida, a última coisa que me restara… Mas… Pela primeira vez noto que a parede desse corredor é amarela.”

Por: Sabrina Beltrão e Aline Möller